domingo, 16 de fevereiro de 2014

O PIANO DA ESTAÇÃO DA LUZ

Antes era um só. Fica bem na entrada/saída da Estação da Luz e está bastante desafinado. O outro, que só vi agora, fica  dentro da estação no meio do caminho para quem vai pegar o trem ou o metrô. Está novinho em folha e tem um som lindo que se espalha por ali, deliciando os ouvidos daquelas muitas pessoas apressadas e perdidas entre si.
Desci do metrô e fui seguindo o som do piano. Vinha do novinho...
Sentado e esquecido do mundo, o pianista desconhecido tocava músicas da moda e ao lado dele, um destes meninos de bem com a vida, bermudão, camiseta larga, boné para trás parecia encantado com aquela melodia que o outro tocava.
O outro era um rapaz miúdo, de sorriso largo e ia tocando, tropeçando nas notas e até se arriscava a cantar um pouquinho. 
Fiquei ao lado deles, observando a cena e logo o pianista cedeu seu lugar para mim. Atrevida que sou, mesmo sem saber tocar direito, não recusei o convite e toquei algumas músicas mais antigas, boleros, tangos e o sorriso dos meninos me incentivava a tocar.
Percebi que alguém tinha se aproximado. Era um moço que me pareceu tímido. Cedi meu lugar a ele que deu um show ao piano. Era um verdadeiro pianista! Eu e o outro apenas dois seres comuns com vontade de tocar. 
Enquanto ele tocava, fiquei a observar a reação das pessoas ao passarem por nós. Agora, era um grupo maior ao redor do piano...
O menino de bermudão teve que ir embora. Justificou sua retirada e ao sair, deu um sorrisão daqueles e me abraçou. "Preciso ir. Tenho que trabalhar". Ele chama-se Danilo e foi correndo por aquele corredor comprido e apinhado de gente.
No vai e vem das pessoas, algumas pareciam nem perceber que alguém tocava maravilhosamente bem um piano; outras, davam uma paradinha e se pudessem ficariam mais tempo por ali.
O formigueiro ia aumentando conforme a hora passava e o pianista virtuoso continuava tocando, tocando...
O outro pianista se chama Marcos e contou-me que viera de perto de Januária, no Norte de Minas à procura de trabalho. Estava voltando. Não estava feliz em São Paulo e sentia muito a falta da família e dos amigos. Os olhos estavam cheinhos de lágrimas e eu tive uma vontade danada de abraçar aquele moço de Minas, perdido na selva de pedra. 
E o pianista, que também era Marcos, tocava, tocava sem parar...
Eu tinha que ir embora, mas não queria ir. Aquela música me plantava na Estação da Luz. 
Aproveitei uma pequena pausa, abracei meus dois novos amigos Marcos e saí apressada. 
Quando passava pelo outro piano (eu nem ia parar), um senhorzinho que parecia ter ressurgido do século passado falou-me "a senhora pode tocar de novo ...a gente briga... (cantarolando um pedacinho da música)". 
Eu não pude recusar o pedido. Ele havia me escutado tocar no piano novinho... 
Sentei e, apesar das notas desafinadas e do som ruim do velho piano, toquei mais de uma vez a música Castigo. Quando terminei, percebi que o senhorzinho enxugava uma lágrima que teimava em escorrer pelo rosto. "Esta música me traz boas lembranças..."
Por estas e outras, é que nunca deixo de ir à Estação da Luz por causa do piano que agora são dois!!!







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